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Neve

Parecia apenas mais um normal dia de neve ao lado de meu melhor amigo Derek. Já éramos assim, grudados, há muito tempo. Irmãos, colados. Era bom, era natural a convivência com ele. Quando nevava, nós dois vestíamos os casacos pesados, e corríamos no velho pomar que havia perto das nossas casas, no subúrbio de nossa cidade. Sempre dizíamos que aquela beleza era absolutamente distinta. Não havia nada mais lindo do que a neve sobre as folhas secas, a cascata de flocos congelando nossos fios de cabelo enquanto andávamos na chuva de gelo.

Era um dia de neve completamente normal.
- Não vai me alcançar correndo tão devagar Emily.
- Claro que alcanço! Só estou deixando você correr na frente!
A risada de Derek reverberou pelo ar. O badalar de sinos, parecia de tão bela.
- Então vamos apostar uma corrida. Está muito frio, a gente corre até a sua casa e quem perder faz o chocolate quente.
- Combinado.
Sempre me perguntei se naquela amizade havia algo mais, mas sempre acabava ficando sem conclusões. Não vou dizer que nunca fiquei pensando nisso, claro que fiquei, mas conseguia conviver com essa curiosidade sem que ela me atrapalhasse.
Eu perdi a corrida e tive que fazer o chocolate quente para nós dois. Derek estava sentado no meu sofá, olhando a TV de plasma. Minha casa era grande e com ar aristocrático, mas de jeito algum perdia a beleza rústica e alguma simplicidade. Adorava o verde e a neve, e isso influenciou na minha escolha.
- Lá vem o chocolate quente!
Derek abriu um sorriso de orelha a orelha, e quando eu levava os copos tampados, ele me derrubou no sofá em seu colo, fazendo com que nós dois explodíssemos em gargalhadas.
A boina que eu estava usando caiu, fazendo com que uma parte do meu cabelo caísse em meu rosto.
Era um dia de neve completamente normal, até a hora em que ele puxou gentilmente os meus cabelos para trás de minha orelha. Agora estávamos em silêncio.
No momento em que nossos olhos se encontraram eu percebi. Percebi que eu queria ver aqueles olhos verdes pelo resto dos meus dias. Pude ver que o mesmo sentimento se espalhava por seu rosto. Se éramos grandes amigos, isso serviu para que um dia descobríssemos que nos amávamos assim.
Aproximamos os lábios ao mesmo tempo. Seu beijo era doce e seu cheiro tão bom quanto o perfume das flores no auge da primavera. Depois que afastamo-nos um pouco, nossos lábios proferiram a mesma frase, em uníssono:
- Eu te amo.
Já era pra ser. Nós dois sabíamos. E na nossa relação não seriam criadas ilusões de um amor perfeito. O que existia em nós era o amor puro. Era fácil perceber.
A partir daquele dia, nenhum dia de neve foi completamente normal. A vida com Derek era incrívelmente pacata, confortavelmente linda. Mas nunca normal.
Por que nada é normal quando se é feliz com quem se ama.

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Adam & Érica

Estava atravessando a rua para encontrar-me com Adam. Ele sorriu ao me ver. Ele sempre sorria ao me ver. E seu sorriso, eu devo admitir que era muito bonito. Dei nele o habitual beijo no rosto e começamos a conversar.

- Já estava sentindo a sua falta, garota.

- Eu também. Acho que com você meus dias não são tão fúteis. É bom ter alguém com quem se possa ter uma conversa de qualidade.

- Seus dias são tão ruins assim? – disse ele em tom de brincadeira.

- Bem, você sabe. Garotas.

- Eu imagino. Mas você parece meio irritada. Aconteceu alguma coisa?

Por que ele tinha de ser tão perceptivo?

- É que elas ficam falando... sobre eu e você. Falando bobagens. Isso me irrita. – nesse momento eu o olhei. Ele estava sorrindo, visivelmente divertindo-se com alguma coisa. Curtindo alguma piadinha particular. Bem, a pior coisa que ele podia ter feito era algo assim. Eu era a pessoa mais curiosa do planeta. Também sorri, e perguntei:

- O que foi?

- Nada, quer dizer... ah, esqueça. Eu só me lembrei de algo engraçado. Só isso.

- Ok.

Do outro lado da rua, de repente passava Carly, e assim que a vimos, ela nos mandou um olhar que me deu ânsia de vômito. Qual era o problema dessa garota? Adam também percebeu, e pude ver que ele ficou ligeiramente desconfortável. Eu também era perceptiva, e agora tinha uma pergunta para fazer á ele:

- Adam, a algumas semanas atrás, você estava bem magoado. Você chorava por causa dela, eu sei disso, eu estava presente, entre aspas. De onde surgiu essa raiva toda?

Ele respondeu normalmente, o rosto revelando nada mais do que uma leve indignação.

- Sabe, Érica, a raiva principal é por mim mesmo. Hoje eu vejo que perdi bastante tempo da minha vida naquela época em que estive ferido por causa dela. Só depois é que eu fiquei sabendo que, enquanto eu sentia a falta dela, ela estava me odiando e... fervendo por aí. Não consegui mais simpatizar com ela depois disso.

O silêncio que se seguiu não foi agourento, tampouco desconfortável. Apesar do assunto o qual tínhamos tratado, a atmosfera entre nós dois era tranquila. Com um sinal de mãos, pedi que me acompanhasse no caminho. Por toda a tragetória ele esteve ao meu lado. Ambos andávamos em silêncio, apenas desfrutando da companhia um do outro. Por mais que fosse estranho admitir, eu e Adam combinávamos perfeitamente. Não só na aparência, mas como pessoa. Nós nos dávamos muito bem como melhores amigos, como confidentes, etc. Estávamos quase chegando ao meu destino. De onde estávamos, eu podia ver o telhado vermelho da minha casa, insinuando-se por entre as folhas das árvores, e acima do das outras casas. Quando já estávamos na minha rua, nos despedimos. Antes de afastar-se, ele fez uma observação:

- Mas sabe, Érica... – ele fez uma pausa um tanto teatral,e entendi que esta era a minha deixa para fazer a pergunta-chave.

- O quê?

- Ainda há um lado bom nisso tudo.

Observei-o com cautela, percebendo o tom enigmático de sua voz. Fiquei intrigada com aquela frase. Qual seria o lado bom de um péssimo fim de relacionamento?

- E qual seria o lado bom, Adam?

Ele hesitou antes de responder. Pude percebê-lo meio envergonhado, meio indeciso, e mais um misto de sentimentos que podiam estar atrasando a sua resposta. Por fim, disse:

- O lado bom... é que me aproximei mais de você.

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Dayenne

Ambos ali tinham um tanto de consciência da atmosfera pesada, da nuvem de desconforto que pairava entre eles enquanto entravam no restaurante. Era um lugar lindo, elegante e com um grande ar aristocrático, embora não combinasse com o humor deles. Não estavam de braços dados, nem demonstrando qualquer tipo de afeto, o que é estranho ao meu ver, pois eles formavam um casal incrivelmente bonito. Vi-os entrar e sentarem em uma mesa perto da minha, no reservado do salão. Claro, o reservado não deixava a desejar em matéria de encantamento. O homem devia ter no máximo 28 anos, e a mulher também parecia beirar essa idade. Eles não só formavam um bonito casal, como também eram individualmente belos.

Por uma imensidade de minutos que não contei, ficaram absolutamente calados. Liam o cardápio, e pareciam olhar todos os lados, menos um para o outro. Estavam bem vestidos. O silêncio cortou-se apenas quando a mulher fez o pedido. Pude deduzir, pela sua linguagem corporal, que o homem não queria estar ali. A mulher, por sua vez, parecia estar ansiosa. Ainda demorou um pouco para que o jantar deles chegasse. Quando chegou, comeram devagar e silenciosamente. Depois de servidos e satisfeitos, a mulher pronunciou-se:
- Você não vai falar comigo, Joe?
Ele deu de ombros, sem olhar para ela.
- Não vai nem olhar para mim? - perguntou ela.
Ele levantou a cabeça, relutante, mas olhou-a. Seu olhar era carregado de um ressentimento profundo. Vendo que ela apenas o fitava, ergueu uma sombrancelha.
- Você não queria falar? - perguntou, cheio de sarcasmo.
- Você vai querer ouvir? - ela também era boa na retórica.
- Tanto faz. - Ele desviou os olhos.
Ela suspirou, todos os seus movimentos mostravam a sua impaciência.
- Será que você poderia ser um pouco mais receptivo, Joe?
- E qual é o sentido disso? Você já sabe o que eu penso disso.
- Não, eu não sei. Simplesmente porque você não fala. Esqueceu que parou de falar comigo?
- Para quê você me trouxe aqui? Para me fazer lembrar do que você fez? Para me ferir?
- Não. Estou pedindo, ou melhor, tentando lhe pedir perdão.
- Você? Sabe Dayenne, tanto faz.
- Isso é mentira! Não finja que não se importa, isso é ridículo e infantil. Eu sei que errei quando traí você, mas você sabia muito bem da minha história com ele, podia pelo menos ter me escutado quando tentei me desculpar. E devia me ouvir agora também.
Pela primeira vez na noite, pude ver os olhos do homem se encherem de raiva.

- Escute bem, eu não quero falar sobre isso com você. Não quero nem saber.

Sua voz cortou como faca, e as bases das ações da mulher ruíram. Ela não disse palavra depois disso, apenas olhou-o atônita. Logo, pude ver que ela tinha os olhos cheios de lágrimas. Suas mãos tremiam, e tinha a cabeça baixa.
Em um movimento repentino, aquele torpor explodiu, e ela olhou-o novamente, agora sem lágrimas, e quando falou, sua voz carregava a força impossível de que ela precisava para que suas palavras tivessem o efeito que ela queria.

- É assim que você resolve as coisas?
Ele apenas olhou-a, com o rosto indignado e confuso.
- É assim que acaba com seus problemas? Jogando-os de lado e fingindo que eles não existem? Sua ignorância vai tão longe assim?
Ele fingiu ignorá-la, mas era visível que ele estava absorvendo cada palavra dela.
- Seu covarde. - disse ela simplesmente.

Assim que disse isso, a mulher levantou-se da cadeira e foi embora, deixando para trás coisas que podiam valer muito mais para ela do que para mim, ou para o homem. Sentado, eu olhava agora a expressão de Joe. Ele estava derrotado, e por seu rosto lágrimas de sangue deixavam o caminho que ele havia jogado fora. É incrível como o orgulho pode levar ás pessoas a perderem essas grandes oportunidades. Joe? Bem, ele não foi atrás de Dayenne. Ficou ali sentado, remoendo sua dor sozinho, onde só o que o rondava, era a vergonha e a frustração.
Ele a havia perdido, por ser um completo idiota.
Fiquei sentado, tomando cerveja enquanto desejava áquele homem, a luz que a vida e a estupidez haviam lhe tirado. E que tinha nome:
Dayenne.

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Um Certo Ombro Amigo - parte 2: Ralph

(parte 1 na outra página)


Sol e chuva, foi o que eu estivera olhando. O arco-íris logo pintaria o céu, e eu ficaria assistindo-o, encantado. Não havia nada mais encantador para mim do que o arco-íris depois da chuva. Meu guarda-chuva estivera em perigo de virar-se ou seguir o vento pelo caminho que ele o levasse. Com isso, eu tive de tomar cuidado para não acabar encharcado pela tempestade. Além do arco-íris, havia o pôr-do-sol, que era outra coisa que me encantava, e que me fazia esquecer um pouco o mundo em minha volta. Talvez fizesse sentir-me menos diferente...
Cada passo que eu dava na chuva, me deixava mais perto de casa. Foi inevitável chegar com a roupa molhada. Meus cabelos escuros e semi-compridos estavam bem molhados. Entrei no prédio e subi no elevador, até o meu apartamento. Quando cheguei até a porta, enfiei a chave na fechadura e entrei. Estava tudo do jeito que eu deixei, o sofá branco limpo, a mesa de centro vazia. Atirei a pasta preta em cima do sofá e fui até o banheiro para tomar um banho. Deixei a banheira enchendo enquanto me despia. O vapor da água logo deixou o ambiente confortavelmente aquecido. Olhei-me no grande espelho de molduras metálicas enquanto esperava. Percebia em meu belo rosto, feições preocupadas, e os olhos azuis que guardavam uma angústia silenciosa. Olhei em volta. Havia ali, o azulejo verde, opaco e claro, refletindo a minha imagem. Logo, a banheira encheu e eu fui entrando nela devagar.
Deitado, eu sentia a água quente relaxando meus músculos. Deitei a cabeça na beirada de mármore e ali fiquei por mais ou menos meia hora. Um tempo depois, acordei. Percebi que havia dormido, e logo comecei a sair. Ainda não era noite, mas já estava escurecendo. Peguei a toalha de algodão e sequei-me.
No meu quarto, abri o guarda-roupa e pensei no que vestir. Eu não ia sair de casa hoje, então peguei uma camiseta e minha calça de abrigo. Estava quase vestido quando o telefone tocou. Corri até a sala, de camiseta e cueca box, para atendê-lo.
- Alô?
- Ralph! É o David! Ah, eu preciso tanto falar com você...
- David! Quanto tempo? Como você está? O que acontec... você está chorando?!
- Venha agora se puder... por favor. - David desligou o telefone.
Ai ai ai, pensei. Isto não era típico de David. O que será que havia acontecido? Talvez a angústia que tomara conta de mim o dia inteiro partia dele, de seu apelo. Olhei pela janela, ainda estava chovendo. Eu iria, de qualquer maneira. Vesti-me rápido, botei um de meus blusões de gola rulê e um sobretudo, por causa do frio, e saí para a noite.
Eu estava, com meu guarda-chuva quase se entregando, correndo para o apartamento de David. Ele era o meu melhor amigo... era minha obrigação ajudá-lo agora, com o que quer que fosse. Seria bem difícil, eu sei, considerando todas as coisas... mas eu precisava estar lá. Eram quatro quadras de distância, e eu já havia passado por duas. Faltando apenas alguns metros para chegar lá, eu vi a namorada de David, Gwen, saindo com a expressão triste. Ela também me viu, e me lançou um olhar venenoso. Ela era esperta, já havia percebido as coisas quando nem eu mesmo tinha me dado conta... mas nem isso me fez diminuir o ritmo. Será que eles estavam em crise?
Haviam passado apenas vinte minutos desde que eu saíra de casa, e agora subia o elevador até o seu apartamento e apertava a campainha, rezando para que ele me atendesse. Logo, David abriu a porta. Sua expressão estava arrasada, e seus olhos baixos. Eu estava encharcado, percebi, então primeiramente pendurei o sobretudo, e depois abracei-o, e ele chorou. Ficamos assim uns cinco minutos. Fiquei pensando em como perguntar para ele o que havia acontecido, e percebi que não havia jeito fácil de fazer isso, então tentei ser direto:
- O que aconteceu, Dave? Você está péssimo!
- Não consigo acreditar Ralph... não consigo aceitar...
Tentava compreender o que ele estava dizendo, quando ouvi o barulho da televisão. Ainda abraçando-o, sem querer soltar... eu olhei para ela e imediatamente compreendi de onde vinha a sua dor. O DVD rodava os filmes caseiros de David e a sua ex-esposa, por quem ele ainda era apaixonado. Deixei escapar um "ah" de compreensão.
- Sente-se Dave. Vou pegar uma bebida pra você.
- Ok.

Fui até a cozinha pegar água com açúcar para acalmá-lo. Vi de relance que ele pusera o rosto entre as mãos. Minha vontade era sacudi-lo, dizer a ele que ele não precisava mais sofrer assim... que ele podia achar amor em outra pessoa... em alguém... alguém como eu. Mas eu sabia que David não era assim. Ele nunca me veria como algo além de seu melhor amigo, o seu colega da faculdade. Era isso que me deixava angustiado. Estar ao seu lado sem poder tocá-lo, sem poder beijá-lo, sem poder amá-lo do jeito que eu queria.
Resolvi enfrentar o meu desejo, mais uma vez. Fui até onde ele estava, e vi que já não chorava. Ofereci-o o copo.
- Tome, vai ficar melhor.
- Duvido muito.

Várias emoções passavam por mim enquanto eu o olhava. Compreensão, pena, dor, lealdade... e principalmente amor. Mas ele não sabia disso. Enquanto ele bebia, senti essa última emoção tomar conta de meu corpo. Para aliviá-la, apalpei-o no ombro, como que para acalmá-lo. É claro que eu viria, eu sempre viria quando ele precisasse de mim. Eu precisava saber por que ele estava tão depressivo.
- O que aconteceu, Dave? O que aconteceu com ela?
Ele relutou, mas no fim disse, cheio de dor:
- Ela morreu.

A princípio minha mente não absorveu a informação. O vento entrou na sala, cortando o fio da palavra. Eu entendia agora. Entendia o tamanho da sua dor, a sensação da perda... a sensação de que você nunca terá aquela pessoa que você tanto ama nos braços... mas não estamos falando apenas de mim. Ele agora sofria, e só tinha uma maneira de acalmá-lo.

- Vem cá, David.

Mais uma vez eu o abracei, e mais uma vez ele chorou em meu ombro. Em silêncio, eu também chorava, agradecendo a Deus, a oportunidade de tê-lo nos braços. Sabia que mesmo machucado, ele estava confortável ali, nos braços compreensivos de seu melhor amigo. Eu agradecia também, que ele confiasse a mim, e me permitisse segurar essas barras. Agradeci por ser digno de ser o ombro amigo que ele recebia agora.

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Impulso

- Você vem Jonny?

- Er, não.
- Por quê !?
- Ah, eu vou amanhã tá?
- Amanhã eu vou viajar Jon.
- A vá! Sério?
- É. Não vai vim mesmo?
- Não...
- Novidade...
- Ah, pare com isso Erica!
- PARE VOCÊ! que merda isso!
Desliguei o telefone, minha animosidade dividindo-se em vários pedaços de sentimento. Raiva. Dor. Decepção. Todos em um só. Será que todo o amor que me convencera a ficar com Jonny havia sido parte de sua estratégia? Eu não via sentido nisso. Antes de estarmos juntos ele parecia disposto a tudo para poder me ver, para estar perto de mim, pra me ver feliz. Agora ele sempre tinha uma desculpa para não estar comigo. Sempre punha o trabalho em primeiro lugar, e eu sempre em segundo plano. Isso estava me magoando profundamente. Eu aprendi a amá-lo, embora não fosse aquele amor maluco. Aprendi a conviver com a idéia de que, estando com Jonny, eu podia esquecer a dor de ter perdido Adam. Estava sendo perfeito antes de ele fazer parecer impossível ter tempo pra mim. Eu já estava ficando cansada de nunca estar em primeiro lugar, estar sempre esperando.
Corri pela sala de estar, passei pelo corredor até o meu quarto, onde comecei a desgraçar o mundo, jogar coisas com violência no chão e chorar compulsivamente. Era ridículo, mas eu estava agindo como uma adolescente de 17 anos. Era a primeira vez que eu chorava por alguém depois de Adam. Quando o perdi, pensei que nunca mais amaria, que nunca mais sofreria por ninguém. Eu me flagrava agora, traindo o próprio pensamento, chorando por Jonny. Não estava mais controlando meus sentimentos. Peguei o meu diário antigo, de 6 anos atrás e comecei a folheá-lo. Nele eu havia escrito toda a minha história com Adam, e lendo minhas lembranças senti que mais lágrimas brotavam dos meus olhos. Seis anos haviam se passado e eu ainda sofria por ele e o desejava. Mas isto era algo impossível. Eu havia perdido qualquer tipo de contato com ele depois do que nos aconteceu, e não tinha como procurá-lo.
Na última página, algo fez meu coração pular. Olhei cerca de 15 vezes a mesma folha, conferindo se eu estava realmente vendo o que estava escrito. Sim, eu via, mas minha mente não conseguia processar a informação, tamanha foi a surpresa. Um número de celular. O de Adam.
Tentei encontrar motivos que me fizessem mudar de idéia, mas meu âmbito por discar os números foi maior que meus motivos para não tentar. Tantas vezes eu havia pensado nessa hipótese e não havia como realizá-la... mas agora eu tinha um meio. Será que ele conservara o mesmo número? Deixei que minha ID ficasse oculta e sentia o coração palpitar enquanto começou a chamar. Será que eu devia falar? Não, seria pior...
- Alô ?
Meu mundo girou. Não estava acreditando no que estava ouvindo. Era a inconfundível voz de Adam. A voz de um arcanjo, suave em meu ouvido.
- Alô?? Alô?
Não, eu não iria falar. Iria ficar ouvindo aquelas notas de violino, perfeitas e doces soando em meu ouvido enquanto todas as minhas lembranças de nós dois voltavam para a minha mente. Eu queria ficar ouvindo para sempre, mas resolvi desligar antes que ele desligasse. Eu estava chorando muito mais, mas meus lábios sorriam, um riso dopado. Isso. Eu estava dopada pela consciência de Adam, por lembrar dele como eu não lembrava a tanto tempo.
O tempo não fizera-me esquecê-lo. Porque... aquilo que é verdadeiro... nunca se esquece.

E um dia sempre volta.

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O Beijo do Vampiro

Eu não aguentava mais aquela sala de aula. Não aguentava mais ficar sentado na cadeira.


- Senhor Hendrick, faça o favor de sentar-se direito?

A Sra Kalley tinha um talento incrível para ser inoportuna.

- Claro, perdoe-me.

Tudo que eu tentava fazer era manter-me inerte, quieto e sentado. Eu estava usando capuz, e deixava minha franja preta e gigantesta cobrir meu rosto - e o esgar animal que ele revelava - e deixá-los apenas á meu conhecimento. Ninguém ali sabia o que eu era, e o pior - ou melhor - ninguém sequer suspeitava. As pessoas daquele lugar não pareciam ter o mínimo instinto de preservação. Qualquer pessoa com o mínimo de senso de perigo sairia correndo para bem longe de mim. Humanos são criaturas muito idiotas, pois são capazes de correr ao encontro do próprio predador. Simplesmente deplorável. A única maneira que eu tinha de apreciar a uma dessas criaturas, era rasgando as veias de seu pescoço e roubando-lhe o sangue. Ou então... guiando-as pelos caminhos da luxúria, utilizando delas para meu usufruto/prazer, e depois saciando a minha fome com elas, ou melhor, minha sede. Naquele dia estava sendo difícil aguentar a vontade, com tantas pessoas em volta, mas eu precisava me controlar... não podia, em hipótese alguma, deixar as massas descobrirem da existência dos vampiros. Manti-me quieto, indiferente.
O tédio estava me consumindo. E a sede também.

Havia uma garota no prédio 5, vizinho ao meu, que se chamava Madison. Ela sentia uma atração imensa por mim, eu podia ver sinais disso com meus sentidos apurados, coisas que só alguém como eu poderia ver. O cheiro que exalava da pele dela, o modo como seus olhos hesitavam ao me ver, a respiração que se acelerava minimamente. Eu podia ver isto. E ficava irritado com isso. Na minha cabeça, eu estava certo de que ela nunca teria coragem de falar comigo, e me surpreendeu tê-la escutado se aproximar de mim. Me virei automaticamente, atônito. Não podia deixar que ela se aproximasse tanto, eu estava em uma crise de limite de força e não podia caçar. Nessas épocas eu era muito, muito perigoso.
- Olá, estranho. - ela ria
- O-oi... tudo bem?
- Aham... e você?
- É. - se eu falasse que eu estava prestes a atacá-la, ela sairia correndo.
- Meu nome é...
- Madison, eu sei.
- Hm, como é seu nome?
- Julián Hendrick
- Prazer, Julián. Vai fazer algo depois da aula?
- Sim, infelismente. Desculpe.
- Ah, sem problema! Vou indo então... até mais!
- Ei, espere! Onde você vai, Madison? Já está escuro... quer companhia?
- Você não está ocupado?
- Não, só mais tarde. Mas já que você vai faltar a aula...
- Bom, então eu aceito. - Rubor, ela estava corando.
- Vamos então.

Será que eu aguentaria andar ao lado dela sem ceder ás necessidades que eu tinha agora? Tinha de tentar estar com alguém sempre que eu estava nessas crises, pra testar a capacidade de autocontrole que ás vezes eu precisava. Fui com ela até o portão dos fundos, que era por onde os alunos saíam quando queriam matar a aula, e saímos da escola. Ninguém via, nenhuma testemunha. Nós ríamos de nossa pequena fuga quando ela simplesmente me agarrou pela cintura enquanto andávamos. Parecíamos namorados andando agora, eu não podia negar que esta garota tinha atitude. Só que essa ação deixou-a em uma situação bem crítica. O cheiro dela veio muito mais intenso, em ondas de carmim que dançavam nas minhas narinas e fazia minha boca encher-se de veneno. Eu não ia aguentar. Eu precisava do seu sangue tanto quanto ela precisava de oxigênio. Pensei numa maneira de convencê-la a ir comigo a um lugar mais deserto. A resposta veio imediatamente.
Fiquei de frente pra ela, ela me olhou confusa com a parada súbita. Eu não era muito alto, então não era difícil chegar ao seu ouvido. Agarrei-a com suavidade pela cintura e colei meu corpo ao seu. Feito isso sussurrei em seu ouvido:
- Até que enfim tivemos a oportunidade de ficar sozinhos... não sabe a quanto tempo eu desejo você em segredo...- Me impressionei como os meus Poderes ajudaram a deixar minha voz irresistível.
- Nem sei o que dizer...
- Não diga nada.
Terminada a frase eu a beijei, e ela retribuiu meu beijo com vontade. Eu só precisava de uma jogada de corpo agora para convencê-la a me seguir para qualquer lugar. Apoiei minhas minhas mãos em seu quadril e a puxei mais para perto. Pude sentir que ela arfava. Isso me deu vontade de rir. Humanos são tão maleáveis que não tem nem graça.
- Por que não vamos a algum lugar mais discreto? - Antes que ela respondesse, deixei que minha língua passasse pelo lóbulo da sua orelha.
- Me leve pra onde você quiser...

Estávamos na lateral de um armazém antigo. O lugar não era sujo, mas era perfeitamente desabitado. Já estávamos na parede. Eu me culpava por estar adiando a hora em que eu a matava, mas é que eu gostava muito de ser teatral. E também gostava muito do que estávamos fazendo neste momento. Enquanto eu me saciava dela, eu deixei que meus labios percorrecem seu pescoço, não romanticamente, mas como um predador que brinca com a presa antes de acabar com ela. Ela estava rindo quanto fez o comentário:
- Nossa, você parece um vampiro! - Ela ria, o tom de brincadeira.

Parei subitamente.

- O quê!? - Ela me pegou de surpresa.
- É, um vampiro, só que ao invés de sangue, querendo sugar o prazer e a inocência de uma moça. Hahaha

Teria de ser agora. Ela não poderia suspeitar. Podia estar sendo paranóia, mas não queria que algum dia ela visse verdade nas próprias palavras. Minhas mãos, apesar de tudo, estavam fortes. Agarrei seu ombro na parede, e o instinto me fez ficar totalmente pronto para caçar. Para matar . O tempo todo fiquei pensando se poderia deixá-la ir, mas depois do que ela falou percebi que não. Depois da decisão, pude sentir novamente o cheiro do seu sangue, muito mais forte por causa do contato e do movimento. O cheiro estava enlouquecedor. Minhas mãos agarraram-na, uma o seu ombro e a outra o pescoço. Pude ver seu rosto confuso e assustado, e o meu rosto sombrio. Eu tinha absoluta certeza de que meus olho estavam carmins, pelo pânico dos seus olhos. Todos os músculos do meu corpo ansiavam-na, meus dentes começaram a apontar.

- Eu sou um vampiro. - Disse simplesmente;

Pude sentir que ela se debatia convulsionamente. Era inútil tentar escapar do meu aperto. Aos poucos seu corpo foi ficando flácido por causa da perda de sangue. Quando vi que não restava nem mais uma gota, eu a soltei. Agora eu podia sentir a onda de Força tomando cada célula minha. Era uma sensação única. Antes de ir embora, dei mais uma olhada no corpo debruçado sobre caixas e sorri.

- Esse é o preço por se apaixonar por vampiros.

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Diga-me

Já tentei.

Mas cada dia que passa... eu sinto te perder um pouco mais.
Já pensei que pudesse ser eterno... talvez ainda seja, talvez não seja mais.
Não sei... já tentei. Mas tá demais. Não sei de onde tirarei forças para suportar a idéia de que tudo foi ilusão.
Ou que foi verdadeiro... mas que pra um de nós já passou.
Pensei em viver a vida inteira pra esperar você voltar. Mas será que voltará?
Já não sei... você me deixou sem certezas... e sem você não tenho base alguma pra me segurar...
Posso ver os dias passarem. A minha vida passar sem que eu me dê conta. Pois o meu passado, bem... eu fiz dele o meu presente.
Porque no meu passado eu tinha você. Do que mais eu precisava?
Depois de ti, nada ficou. Só um grande coração vazio...
Chorar já não acalma. Seu cheiro não consigo mais sentir. Agora vivo de lembranças. E ando pensando que nem as minhas ilusões têm sustentado a minha alma.
Não dá. Não consigo ver você agindo como se tudo não tivesse passado de uma grande diversão.
Foi isso?
Pra mim, foi uma vida inteira de sonhos que criei do teu lado.
Queria que me desse então... qualquer sinal. Diga que ainda me ama, ou então que eu te esqueça... me diga se sente saudade... ou qualquer outra coisa...
Diga que ainda te verei um dia. Ou diga que isto não acontecerá.
Me mostre que não me enganei com você. Ou que só fui mais uma.
Me deixe te falar... só mais uma vez...
Que te amo pra sempre.



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Andrew e Erica

Desci as escadas de casa com pressa e com fome. Queria chegar na cozinha. Desci pulando de dois em dois degraus e quase caí. Ri comigo mesma por causa disso. Peguei o pão e o achocolatado no armário e o patê e o leite na geladeira. Enquanto eu preparava, refletia sobre nada. Terminei o lanche e fui para a janela da cozinha olhar o fim de tarde. As árvores e o gramado banhados de sol mergulhavam no escuro lentamente, o sol escondendo-se nas colinas. Eu amava esta vista, mas não conseguia escolher entre o pôr-do-sol e as estrelas, o luar que eu veria mais tarde.


Não ouvi seus passos e nem o som da campainha mas, como que por ironia do destino, Andrew me abraçou e eu sorri, encantada com a idéia de Eu, Andrew e o fim de tarde na janela. Eu me virei devagar, após uns 3 minutos daquilo e encontrei seus olhos. Ele me olhava fixamente, e por um tempo que para mim pareceu uma vida, apenas olhamos um para o outro. Não precisávamos de palavras. Depois de alguns segundos ele quebrou o silêncio:
- Oi Erica. - Disse sorrindo.
- Oi Andrew- Sorri de volta.
Depois da intensa troca de olhares, virei-me de volta á janela para contemplar os últimos segundos de sol do dia. Daqui um pouco eu veria as estrelas.
E Andrew estaria ali comigo, ele sempre estará comigo.

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