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Um Certo Ombro Amigo - parte 2: Ralph

(parte 1 na outra página)


Sol e chuva, foi o que eu estivera olhando. O arco-íris logo pintaria o céu, e eu ficaria assistindo-o, encantado. Não havia nada mais encantador para mim do que o arco-íris depois da chuva. Meu guarda-chuva estivera em perigo de virar-se ou seguir o vento pelo caminho que ele o levasse. Com isso, eu tive de tomar cuidado para não acabar encharcado pela tempestade. Além do arco-íris, havia o pôr-do-sol, que era outra coisa que me encantava, e que me fazia esquecer um pouco o mundo em minha volta. Talvez fizesse sentir-me menos diferente...
Cada passo que eu dava na chuva, me deixava mais perto de casa. Foi inevitável chegar com a roupa molhada. Meus cabelos escuros e semi-compridos estavam bem molhados. Entrei no prédio e subi no elevador, até o meu apartamento. Quando cheguei até a porta, enfiei a chave na fechadura e entrei. Estava tudo do jeito que eu deixei, o sofá branco limpo, a mesa de centro vazia. Atirei a pasta preta em cima do sofá e fui até o banheiro para tomar um banho. Deixei a banheira enchendo enquanto me despia. O vapor da água logo deixou o ambiente confortavelmente aquecido. Olhei-me no grande espelho de molduras metálicas enquanto esperava. Percebia em meu belo rosto, feições preocupadas, e os olhos azuis que guardavam uma angústia silenciosa. Olhei em volta. Havia ali, o azulejo verde, opaco e claro, refletindo a minha imagem. Logo, a banheira encheu e eu fui entrando nela devagar.
Deitado, eu sentia a água quente relaxando meus músculos. Deitei a cabeça na beirada de mármore e ali fiquei por mais ou menos meia hora. Um tempo depois, acordei. Percebi que havia dormido, e logo comecei a sair. Ainda não era noite, mas já estava escurecendo. Peguei a toalha de algodão e sequei-me.
No meu quarto, abri o guarda-roupa e pensei no que vestir. Eu não ia sair de casa hoje, então peguei uma camiseta e minha calça de abrigo. Estava quase vestido quando o telefone tocou. Corri até a sala, de camiseta e cueca box, para atendê-lo.
- Alô?
- Ralph! É o David! Ah, eu preciso tanto falar com você...
- David! Quanto tempo? Como você está? O que acontec... você está chorando?!
- Venha agora se puder... por favor. - David desligou o telefone.
Ai ai ai, pensei. Isto não era típico de David. O que será que havia acontecido? Talvez a angústia que tomara conta de mim o dia inteiro partia dele, de seu apelo. Olhei pela janela, ainda estava chovendo. Eu iria, de qualquer maneira. Vesti-me rápido, botei um de meus blusões de gola rulê e um sobretudo, por causa do frio, e saí para a noite.
Eu estava, com meu guarda-chuva quase se entregando, correndo para o apartamento de David. Ele era o meu melhor amigo... era minha obrigação ajudá-lo agora, com o que quer que fosse. Seria bem difícil, eu sei, considerando todas as coisas... mas eu precisava estar lá. Eram quatro quadras de distância, e eu já havia passado por duas. Faltando apenas alguns metros para chegar lá, eu vi a namorada de David, Gwen, saindo com a expressão triste. Ela também me viu, e me lançou um olhar venenoso. Ela era esperta, já havia percebido as coisas quando nem eu mesmo tinha me dado conta... mas nem isso me fez diminuir o ritmo. Será que eles estavam em crise?
Haviam passado apenas vinte minutos desde que eu saíra de casa, e agora subia o elevador até o seu apartamento e apertava a campainha, rezando para que ele me atendesse. Logo, David abriu a porta. Sua expressão estava arrasada, e seus olhos baixos. Eu estava encharcado, percebi, então primeiramente pendurei o sobretudo, e depois abracei-o, e ele chorou. Ficamos assim uns cinco minutos. Fiquei pensando em como perguntar para ele o que havia acontecido, e percebi que não havia jeito fácil de fazer isso, então tentei ser direto:
- O que aconteceu, Dave? Você está péssimo!
- Não consigo acreditar Ralph... não consigo aceitar...
Tentava compreender o que ele estava dizendo, quando ouvi o barulho da televisão. Ainda abraçando-o, sem querer soltar... eu olhei para ela e imediatamente compreendi de onde vinha a sua dor. O DVD rodava os filmes caseiros de David e a sua ex-esposa, por quem ele ainda era apaixonado. Deixei escapar um "ah" de compreensão.
- Sente-se Dave. Vou pegar uma bebida pra você.
- Ok.

Fui até a cozinha pegar água com açúcar para acalmá-lo. Vi de relance que ele pusera o rosto entre as mãos. Minha vontade era sacudi-lo, dizer a ele que ele não precisava mais sofrer assim... que ele podia achar amor em outra pessoa... em alguém... alguém como eu. Mas eu sabia que David não era assim. Ele nunca me veria como algo além de seu melhor amigo, o seu colega da faculdade. Era isso que me deixava angustiado. Estar ao seu lado sem poder tocá-lo, sem poder beijá-lo, sem poder amá-lo do jeito que eu queria.
Resolvi enfrentar o meu desejo, mais uma vez. Fui até onde ele estava, e vi que já não chorava. Ofereci-o o copo.
- Tome, vai ficar melhor.
- Duvido muito.

Várias emoções passavam por mim enquanto eu o olhava. Compreensão, pena, dor, lealdade... e principalmente amor. Mas ele não sabia disso. Enquanto ele bebia, senti essa última emoção tomar conta de meu corpo. Para aliviá-la, apalpei-o no ombro, como que para acalmá-lo. É claro que eu viria, eu sempre viria quando ele precisasse de mim. Eu precisava saber por que ele estava tão depressivo.
- O que aconteceu, Dave? O que aconteceu com ela?
Ele relutou, mas no fim disse, cheio de dor:
- Ela morreu.

A princípio minha mente não absorveu a informação. O vento entrou na sala, cortando o fio da palavra. Eu entendia agora. Entendia o tamanho da sua dor, a sensação da perda... a sensação de que você nunca terá aquela pessoa que você tanto ama nos braços... mas não estamos falando apenas de mim. Ele agora sofria, e só tinha uma maneira de acalmá-lo.

- Vem cá, David.

Mais uma vez eu o abracei, e mais uma vez ele chorou em meu ombro. Em silêncio, eu também chorava, agradecendo a Deus, a oportunidade de tê-lo nos braços. Sabia que mesmo machucado, ele estava confortável ali, nos braços compreensivos de seu melhor amigo. Eu agradecia também, que ele confiasse a mim, e me permitisse segurar essas barras. Agradeci por ser digno de ser o ombro amigo que ele recebia agora.

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