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Uma Sombra

   Apenas uma sombra a mais na rua já escura.
   Não era igual ou diferente de nenhuma das outras sombras que fingiam-se brilhar andando na luz. Meu relógio de pulso que ganhara há um ano estava com os ponteiros parados desde que o ganhei. Quando a mente pára no tempo não há razão para sabê-lo de fato. Fumava, e a fumaça dos sucessivos cigarros já fazia parte do meu aspecto envelhecido. Tinha uma casa para onde voltar, mas escolher entre a solidão melancólica da casa e a da rua, eu preferia a rua. O cabelo desgrenhado há tempos não sabia o que era receber qualquer cuidado. Ganhava bem sem fazer nada. Mesmo assim, os únicos luxos aos quais me permitia eram: me alimentar o suficiente, comprar Whisky, cigarros e tomar banho diariamente.  
   Esporadicamente topava com algum conhecido, e sempre ouvia-os dizer "nossa, como está pálido Daniel". Talvez algum dia ainda acabasse sendo confundido com algum espectro perturbado. Mas gostava de andar na rua, principalmente no frio e na chuva.
   Na Itália a noite é uma identidade. Bom é passar pelas luzes dos cafés, das lojas que oferecem mil coisas, que as pessoas comprar sem nunca usar, e ouvir de furto em alguma loja retrô uma música qualquer da era dourada. Tudo isso despertava um saudosismo enorme em mim. Aquela negação que nos faz pensar que alguma outra época é seria melhor que o presente.
   Não sabia por que ou desde quando me sentia assim. Tinha tudo que um ser humano procura ou adoraria ter: dinheiro, fama, mulheres, carros... E mesmo assim ainda não sabia qual era a minha utilidade no mundo. Não tinha ambição alguma ou motivos para continuar ali. Não que tivesse vontade de morrer, mas também não via sentido algum na vida.
   Começava a chover. Não me importava em me molhar. Escorei-me em um poste e fiquei olhando a chuva. Em pouco tempo a água já havia penetrado os tantos casacos e o cachecol. Em três dias estaria gripado. Não que eu ligasse para isso, afinal, nada que umas aspirinas não resolvessem.
   Olhava o céu, a lua. Quantas pessoas estariam questionando a própria existência naquele momento, além de mim? O que será que aguarda cada um de nós, homens, após a morte? Por que as pessoas nascem, crescem e vivem? Talvez a verdade seja que todos, de alguma forma, esperam pelo dia em que toparão com "a viagem", se é que ela existe.
   A conclusão a que chego, é que nasci fora de meu tempo. Em uma era onde tudo começa e acaba rápido demais. Onde a efemeridade das coisas faz com que tudo seja vivido tão superficialmente que o profundo parece ridículo, quando deveria ser justamente o contrário. Onde as pessoas vivem desgostosas, e com razão, em um mundo que está cada vez mais pobre de caráter.
   Melhor é voltar pra casa. Continuo andando, procurando meu lugar no destino. E no caminho aprecio a iluminação dessa cidade em ruínas, ofuscada por uma luz e alegrias que são falsas. Indo para longe de todas as pessoas que promovem essa triste realidade. Pessoas que, sentadas em um ornado trono de arrogância, passam a vida inteira apontando os dedos.        

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